terça-feira, 8 de maio de 2012

Círculo de Cores pt VIII, 3

E aconteceu.

Pedi ao Nick para comprar uma pipoca doce para mim. Ele reclamou um pouco, mas pegou o dinheiro e foi até o carrinho do pipoqueiro a poucos metros de distância.

Milena olhava para frente sem parecer ver nada. Nunca vi olhar mais vazio. Pensei que a única vez que vi olhar assim foi naquele dia na rua dela, quando ela desligou o abajur para que Nicolas não a visse. Por um segundo, isso me preocupou demais. Achei que no tempo que passamos separados foi muito mais do que alguns meses, algo que eu nunca entenderia se não vivesse. Primeira volta.
Nick voltou comendo minha pipoca, ao que respondi pegando um punhado e jogando nele enquanto ele ria com a boca vermelha. Comi melecando os dedos e cuspindo discretamente os milhos que não estouraram. Mi parecia querer se trazer de volta à Terra ou pelo menos aos pensamentos que queria ter. Jogou os cabelos para fora do assento e olhava para cima, para o céu, onde intercalou em momentos de expressão vazia e aquele sorriso que vinha acompanhado de olhos fechados e um suspiro quase riso. Segunda volta.

Nick enchia as mãos de pipoca, me deixando quase sem nada. O xinguei e mandei que fosse comprar outro saco antes que o meu terminasse e eu continuasse com vontade. Ele me deixou novamente ali, apenas a contemplar aquele círculo de cores onde Milena estava agora olhando para baixo. Tão lindo, enchia os olhos, rodava tão devagar, como num filme com película cor de vida, algo rosa pastel, algo branco... uma roda gigante em lomografia. Terceira volta.
Anestesiei, sai de mim, deixei de existir por segundos.

Milena rodou e, na parte mais baixa do brinquedo, levantou a barra de segurança. Quando completava 360º de um círculo trigonométrico, ficou de pé. Pensei que fosse um anjo, algo lindo demais para ser real. Ela era a protagonista do filme que eu sabia o que aconteceria, mas esperava por um fato diferente mesmo assim.
Aos 60º desse círculo, ela abriu os braços, fechou os olhos e deu um quase sorriso. Talvez ela achasse que fosse voar. Porque por um momento eu também pensei. Para mim, ela seria como uma folha de papel, uma folha que fosse mudando de cor assim como a roda gigante mudava, e cairia leve, leve, até alcançar o chão e acordar desses sonhos que dão sustos em queda.

Queda. Por que não pensei?

Pensei ver seus lábios abertos, e sua língua movimentar-se para cima e para baixo, com um estalinho leve por trás dos dentes da frente: “la lalala lalala”.
Acho que ali, naqueles segundos que se estenderam em minutos longos, percebi algo que nunca tinha visto, não de verdade, não totalmente, não como era. Milena era uma mulher. Mulher demais para caber em nossas vidas. Pequenas, vazias, imaturas, de menino. Ela entendia a paciência, o amadurecer, o amor e também entendia a morte.

Quase que no mesmo instante, como em câmera lenta, Nicolas a viu também, ali, de alma e braços abertos, olhos e decisão fechados. Entendeu melhor do que eu, correu em direção de onde agora ela caia, não sem antes esbarrar forte em mim e derrubar-me toda pipoca no chão, correndo para onde ela caia com o tronco mais pesado que os membros e cabeça, com o cabelo esvoaçando para trás, deixando assento de brinquedo, deixando vento, deixando vida.

Quando entendi também, tudo era passado.
Milena caiu com um barulho forte no chão antes que Nicolas chegasse para fazer o que fosse.

Não vimos seu rosto, estava colado ao chão.
O papel caiu, mas não acordou ninguém de sonho algum.

O papel não tinha cor alguma. Na verdade tinha, mas demoramos a ver por causa das roupas escuras. Pois nos segundos que se seguiram, o papel criou uma poça de vermelho vivo em volta.
Nick apenas se jogou ao chão aos prantos e berros, as lágrimas caindo em quantidade surpreendente. Um círculo de curiosos se formou em volta da cena, e quem ousasse encostar em Nicolas levava socos e cotoveladas. Não percebi, mas eu também chorava.

Olhando para cima com a vista embaçada, vi a bolsa jeans pendurada.
Quarta e última volta.

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