terça-feira, 1 de maio de 2012

Círculo de Cores pt I

A história que vou contar começou há um ano, mas a repasso na cabeça todos os dias e, mesmo quando não repasso, ela vem até mim sem que eu queira. Não é uma completa tortura, de jeito nenhum. A maioria das lembranças são muito boas.

Milena se mudou para Uberlândia aos sete anos. Eu e Nicolas, o Nick, nascemos aqui e crescemos juntos. Também tínhamos sete; hoje, somamos entre 14 e 15.

Na última semana de janeiro estávamos desesperados para fazer alguma coisa. Logo as aulas recomeçariam e precisávamos dar aquele toque de diversão aos nossos dias ociosos que só a falta de lição de casa pode oferecer.
Combinamos de passar o dia penteando macaco na minha casa, já que o dia escaldante espantava qualquer um do menor sinal de sol. Não demorou muito estavam Nick e Milena, com as testas brilhantes de suor gritando meu nome no portão de casa.

Nicolas tinha passado a se arrumar mais por causa de Achila, a garota mais desejada do colégio, mas hoje estava com aquela bermuda velha e chinelos horríveis e com a camiseta branca na cabeça fazendo uma espécie de cabana para proteger o rosto do sol. Ele era o típico “sonho de consumo” das garotas da nossa idade – cabelos escorridos jogados no rosto, há uns dois anos passou a malhar e sorria de canto só para provocar as meninas da quinta série. Enquanto isso eu lutava para deixar os dentes da frente juntos com aquele aparelho infernal.
Milena demorou um pouco a ter as curvas das garotas da sua idade. Seus seios se salientaram apenas de um ano para cá, mas já eram notáveis e suficientes para caber dentro de um sutiã. Seus cabelos eram um castanho quase louro, lisos, mas sempre despenteados. Tinha o costume de se vestir de preto e naquele dia, mesmo que o sol estivesse rachando nossos crânios, não foi diferente. Vestia saia de pregas, camiseta do Nirvana e seu inseparável All Star.
- Ô Du, pelo amor de Deus, abre o portão, mané! – Nick gritava enquanto eu procurava as chaves que o Regime, meu cachorro, adorava esconder. Dessa vez tinha sido atrás das almofadas do sofá.
Quando abri, Nick foi direto brincar com o cachorro preto magricela, que pulava desesperadamente em suas pernas. Milena procurou alguma coisa em sua bolsa estilo carteiro jeans cheia de bottons de bandas, que eu achava o máximo. Ela tinha aquela bolsa desde que a conhecemos, era parte dela. Apenas vimos o número de acessórios aumentarem. Ela puxou um CD numa capa de papel amarelo e me entregou. Estava escrito “Candlebox - 1993”.
- Ah, Mi! Não creio que você achou esse CD! Não consegui baixar de lugar nenhum!
- Você que não sabe procurar, Eduardo.

Agradeci, mas ela já tinha limpado os pés no capacho e entrado em casa para falar com minha mãe, como de costume.

Depois que meus amigos pararam de suar e tomaram água, Nick vestiu sua camiseta e Regime parou de abanar o rabo, subimos as escadas em direção ao meu quarto. Sempre que beirava o Natal, Milena vestia uma roupa confortável, prendia o farto cabelo e arrumava meu espaço, dizendo o quanto eu era desorganizado e essas coisas. Mas eu sei o quanto ela se divertia fazendo isso, pois sempre escutávamos alguns CDs que juntavam poeira em cima do armário e ela me mandava separar papéis para jogar fora, que juntavam sempre alguns sacos de lixo, não sem antes ela ler e rir das minhas poesias ruins ou respostas burras nas provas do colégio. Ela dizia que era um saco fazer isso, mas todos os anos ela voltava. Minha mãe a adorava, e quando ela fazia essa boa ação, só aumentava o carinho da velha.
Nick já foi se atirando pra cima da cama, apoiando-se nos cotovelos para olhar a estante-cabeceira da minha cama, onde eu enfileirava mangás. Milena tirou o tênis e se jogou em cima dele rindo escandalosamente, descuidando e mostrando um pouco da calcinha azul. Fiquei constrangido de ter olhado, mas logo fui para o lado da cama, onde não podia ver mais nada comprometedor do corpo dela. Nick lhe fez cosquinhas enquanto fingia uma voz de vilão de desenho animado, derrubando-a ao meu lado, onde ela ficou até o fim do dia.

- O que vocês fizeram ontem à noite? – Nick perguntou com a voz abafada pelo travesseiro, pois estava de bruços.

- Copiei Candlebox pro teu amigo aqui e comi Miojo... – respondeu Milena, sabendo muito bem que sua noite foi um tédio.

- Eu fiquei ligando que nem trouxa pra você, Nicolas. Tem celular pra que? Liguei na tua casa e tua mãe disse que você tinha saído.

- Saiu?  É assim, sai, não chama os amigos e ainda nem fala o que rolou? – Milena disse brincando, mas sem deixar de dizer toda a verdade.
- Me deixa contar, ué. Eu ia contar, foi o Du que estragou tudo. – Nick logo retrucou, sentando na cama e fazendo cara de satisfeito – Ontem tomei coragem e chamei a Achila pra ir à pracinha comigo, sabe, tomar um sorvete, conversar sobre qualquer coisa, sei lá. E ela fez umas graças, mas topou. E deu pra ver que ela fez questão de se arrumar mais um pouco pra me ver.

Ficamos embasbacados. Havia meses que o Nick e a metida da Achila ficavam de frescura, cheios de gentilezas e manhas, mas até agora, nada de muito concreto acontecia. Mi e eu sabíamos que ele nunca gostara assim de alguém antes, mesmo que Achila fosse de todo mundo. Mas dessa vez a coisa parecia ser diferente até com ela.
-Virou macho, Sir Nicolau? – Ri debochado. Nick detestava que o chamassem de Nicolau - E ai? Rolou alguma coisa?

- Ô se rolou! - Ele falava encantado – Foi incrível, cara! Aquela menina é o bicho, ‘tô te falando! A gente estava conversando sobre ela, sobre mim, e até falamos sobre vocês, paguei um sorvete pra nós e fui deixa-la em casa. Nos abraçamos, só que dessa vez segui o conselho da Mi e deslizei devagar as mãos até a cintura dela. Ela respirou de forma mais pesada perto do meu pescoço e murmurou alguma coisa, e quando me movi pra ouvir melhor, nossos lábios ficaram muito próximos, fechamos os olhos e foi a maior pegação ao som dos grilos.

- “Lábios”? –Mi enfatizou debochada - Ô Du, ele falou “nossos lábios ficaram muito próximos”! Acho que o Nicolas está mesmo apaixonado pela Hillary Duff!

Rimos como bobos a partir daquele momento, também falamos sobre a semana de aulas que se aproximava e as promessas que fizemos no réveillon, até que a noitinha veio chegando, soprando brisa morna nos nossos corpos sentados na calçada da casa do Nick, onde chegamos fazendo barulho nas ruas da cidade, abraçados uns com os outros e Milena, mais baixa, no meio de nós, fazendo uma ponte de amizade que na época era impossível perceber.

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