Milena se mudou para Uberlândia aos sete anos. Eu e Nicolas, o Nick, nascemos aqui e crescemos juntos. Também tínhamos sete; hoje, somamos entre 14 e 15.
Na última semana de janeiro estávamos desesperados para
fazer alguma coisa. Logo as aulas recomeçariam e precisávamos dar aquele toque
de diversão aos nossos dias ociosos que só a falta de lição de casa pode
oferecer.
Combinamos de passar o dia penteando macaco na minha casa,
já que o dia escaldante espantava qualquer um do menor sinal de sol. Não
demorou muito estavam Nick e Milena, com as testas brilhantes de suor gritando
meu nome no portão de casa.
Nicolas tinha passado a se arrumar mais por causa de Achila,
a garota mais desejada do colégio, mas hoje estava com aquela bermuda velha e
chinelos horríveis e com a camiseta branca na cabeça fazendo uma espécie de
cabana para proteger o rosto do sol. Ele era o típico “sonho de consumo” das
garotas da nossa idade – cabelos escorridos jogados no rosto, há uns dois anos
passou a malhar e sorria de canto só para provocar as meninas da quinta série. Enquanto
isso eu lutava para deixar os dentes da frente juntos com aquele aparelho
infernal.
Milena demorou um pouco a ter as curvas das garotas da sua
idade. Seus seios se salientaram apenas de um ano para cá, mas já eram notáveis
e suficientes para caber dentro de um sutiã. Seus cabelos eram um castanho
quase louro, lisos, mas sempre despenteados. Tinha o costume de se vestir de
preto e naquele dia, mesmo que o sol estivesse rachando nossos crânios, não foi
diferente. Vestia saia de pregas, camiseta do Nirvana e seu inseparável All
Star.
- Ô Du, pelo amor de Deus, abre o portão, mané! – Nick gritava
enquanto eu procurava as chaves que o Regime, meu cachorro, adorava esconder.
Dessa vez tinha sido atrás das almofadas do sofá.
Quando abri, Nick foi direto brincar com o cachorro preto
magricela, que pulava desesperadamente em suas pernas. Milena procurou alguma
coisa em sua bolsa estilo carteiro jeans cheia de bottons de bandas, que eu
achava o máximo. Ela tinha aquela bolsa desde que a conhecemos, era parte dela.
Apenas vimos o número de acessórios aumentarem. Ela puxou um CD numa capa de
papel amarelo e me entregou. Estava escrito “Candlebox - 1993”.
- Ah, Mi! Não creio que você achou esse CD! Não consegui
baixar de lugar nenhum!
- Você que não sabe procurar, Eduardo. Agradeci, mas ela já tinha limpado os pés no capacho e entrado em casa para falar com minha mãe, como de costume.
Depois que meus amigos pararam de suar e tomaram água, Nick
vestiu sua camiseta e Regime parou de abanar o rabo, subimos as escadas em
direção ao meu quarto. Sempre que beirava o Natal, Milena vestia uma roupa
confortável, prendia o farto cabelo e arrumava meu espaço, dizendo o quanto eu
era desorganizado e essas coisas. Mas eu sei o quanto ela se divertia fazendo
isso, pois sempre escutávamos alguns CDs que juntavam poeira em cima do armário
e ela me mandava separar papéis para jogar fora, que juntavam sempre alguns
sacos de lixo, não sem antes ela ler e rir das minhas poesias ruins ou
respostas burras nas provas do colégio. Ela dizia que era um saco fazer isso,
mas todos os anos ela voltava. Minha mãe a adorava, e quando ela fazia essa boa
ação, só aumentava o carinho da velha.
Nick já foi se atirando pra cima da cama, apoiando-se nos
cotovelos para olhar a estante-cabeceira da minha cama, onde eu enfileirava
mangás. Milena tirou o tênis e se jogou em cima dele rindo escandalosamente,
descuidando e mostrando um pouco da calcinha azul. Fiquei constrangido de ter
olhado, mas logo fui para o lado da cama, onde não podia ver mais nada
comprometedor do corpo dela. Nick lhe fez cosquinhas enquanto fingia uma voz de
vilão de desenho animado, derrubando-a ao meu lado, onde ela ficou até o fim do
dia. - O que vocês fizeram ontem à noite? – Nick perguntou com a voz abafada pelo travesseiro, pois estava de bruços.
- Copiei Candlebox pro teu amigo aqui e comi Miojo... – respondeu Milena, sabendo muito bem que sua noite foi um tédio.
- Eu fiquei ligando que nem trouxa pra você, Nicolas. Tem celular pra que? Liguei na tua casa e tua mãe disse que você tinha saído.
- Saiu? É assim, sai,
não chama os amigos e ainda nem fala o que rolou? – Milena disse brincando, mas
sem deixar de dizer toda a verdade.
- Me deixa contar, ué. Eu ia contar, foi o Du que estragou
tudo. – Nick logo retrucou, sentando na cama e fazendo cara de satisfeito –
Ontem tomei coragem e chamei a Achila pra ir à pracinha comigo, sabe, tomar um
sorvete, conversar sobre qualquer coisa, sei lá. E ela fez umas graças, mas
topou. E deu pra ver que ela fez questão de se arrumar mais um pouco pra me
ver.
Ficamos embasbacados. Havia meses que o Nick e a metida da
Achila ficavam de frescura, cheios de gentilezas e manhas, mas até agora, nada
de muito concreto acontecia. Mi e eu sabíamos que ele nunca gostara assim de
alguém antes, mesmo que Achila fosse de todo mundo. Mas dessa vez a coisa
parecia ser diferente até com ela.
-Virou macho, Sir Nicolau? – Ri debochado. Nick detestava
que o chamassem de Nicolau - E ai? Rolou alguma coisa? - Ô se rolou! - Ele falava encantado – Foi incrível, cara! Aquela menina é o bicho, ‘tô te falando! A gente estava conversando sobre ela, sobre mim, e até falamos sobre vocês, paguei um sorvete pra nós e fui deixa-la em casa. Nos abraçamos, só que dessa vez segui o conselho da Mi e deslizei devagar as mãos até a cintura dela. Ela respirou de forma mais pesada perto do meu pescoço e murmurou alguma coisa, e quando me movi pra ouvir melhor, nossos lábios ficaram muito próximos, fechamos os olhos e foi a maior pegação ao som dos grilos.
- “Lábios”? –Mi enfatizou debochada - Ô Du, ele falou “nossos lábios ficaram muito próximos”! Acho que o Nicolas está mesmo apaixonado pela Hillary Duff!
Rimos como bobos a partir daquele momento, também falamos sobre a semana de aulas que se aproximava e as promessas que fizemos no réveillon, até que a noitinha veio chegando, soprando brisa morna nos nossos corpos sentados na calçada da casa do Nick, onde chegamos fazendo barulho nas ruas da cidade, abraçados uns com os outros e Milena, mais baixa, no meio de nós, fazendo uma ponte de amizade que na época era impossível perceber.
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