domingo, 6 de maio de 2012

Círculo de Cores pt VII

A partir daqui, tudo foi muito rápido.

Não parei de pensar naquela noite no quarto da Mi, era o tipo de lembrança que a gente quer ter para sempre, daquelas que conforme os dias passam, a gente não quer que as sensações de ter vivido aquilo vão embora.

A última semana antes das férias passou preguiçosa, e logo na sexta feira, quando o início de nossas férias se tornou uma grande comemoração, Mi apareceu com os cabelos presos e camiseta naquele frio do inverno que já tinha chegado, e eu já sabia: hora da faxina. Trouxera com ela algumas caixas, que justificou como sendo para ajudar minha bagunça a ficar dentro delas.
Era tudo como costumava ser: limpávamos, tirávamos do lugar, víamos como ficava em outro. Colocou algumas coisas que eu não costumava usar dentro das caixas e as pôs em cima do guarda roupa. Só sobrou uma caixa menor, que tinha ficado vazia, que ela deixou junto com as outras para empoeirar no alto.

E assim passamos algumas horas que pareciam minutos, pois os diálogos tornavam tudo mais colorido.
Até que o dia virou algo bonito demais para caber na arte de contar.

Nick bateu na porta. Antes que mandasse entrar, antes que ele dissesse qualquer coisa, Milena e eu já sabíamos que era ele. Não Nicolas, mas o Nick.
Ele não esperou resposta: abriu a porta e entrou. Tinha o violão que ganhou do avô pendurado nas costas, e usava casaco grosso marrom e o cachecol vermelho que Mi havia lhe comprado quando fomos à São Paulo com os pais dela. Ele pareceu surpreso e contente de ver Milena, que estava sentada no chão, arrumando minha gaveta de cuecas, para minha infelicidade.

Ela sorriu o sorriso mais lindo do mundo. Simples desse jeito. Não sei se foi por causa do cachecol, do violão ou pelo Nick mesmo.

-A gente não foi na festa, foi mal, estávamos sem clima... – fui logo tentando explicar, mesmo que já tenha passado semanas.
-Desencana, acho que foi até melhor.

-Nossa, obrigado.
-Não é por nada não, mano. É só que... – Nick tirou as luvas e mostrou as mãos. Sem aliança.

Mi fechou a gaveta e foi sentar na cama, frente a um Nick solteiro, também chocada. Eu estava no chão, organizando meus DVDs por ordem alfabética como Mi havia mandado, mas parei tudo para olhar para ele.
-Fiz a droga de homenagem e não deu três dias peguei a vadia aos beijos com o Fael, o moleque do segundo ano. Tão patético que nem consegui chorar.

Mi levou as mãos até a boca, num espanto de olhos arregalados. E eu sabia que ele já tinha chorado tudo que tinha que chorar.
Não dissemos nada, mas queríamos muita coisa impossível. Como restaurar totalmente o coração daquele menino que parecia tão frágil ali, naquele bolo de roupas, mordendo o lábio inferior numa contração de todas as dores que nunca mais sairiam dele, que apenas sairiam de foco do seu coração com o tempo.

 Ele se apressou em quebrar o silêncio.
-Sabiam que o parque abriu ontem? Nem prestei atenção no negócio sendo construído, só vi quando já tava todo lá.

-NÃO ACREDITO! –Mi saltou como num desenho animado.
-Sim, eu vim pra pedir o CD do Sex Pistols pro Du e ia contar sobre o parque, ele provavelmente te ligaria na hora.

-AAAH, quando nós vamos, hein? – Intrometi.
- Olha, essa semana vai estar cheio... Acho maneiro ir na próxima, e numa quarta-feira, tem menos gente ainda.

-Certo, quarta que vem, 17h lá em casa, todos prontos para viver a infância de novo! – Mi combinou.
Ficamos todos com um sorriso bobinho depois disso, até que Nick tirou o violão da capinha e dedilhou algumas músicas de letra triste.

-Sem pensar na Britney Spears agora, Nick!

-É Hillary Duff, Eduardo! –disseram os dois juntos, como uma só voz, como se tivessem ensaiado. E as três risadas que seguiram também foram.
O silêncio nada constrangedor ficou ali de novo, até que Nick tocou uma melodia e Mi sorriu. E fez algo que nunca tinha visto antes: ela cantou. Uma voz fina e assustadoramente afinada. E aquela imagem de Nick tocando o violão como se pudesse tocar a alma, com os olhos fechados, só sentindo a voz de Milena, que cantava com o olhar terno para ele... é a lembrança mais bonita que tenho.

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