sábado, 5 de maio de 2012

Círculo de Cores pt VI

Duas semanas correram e pronto, era sábado. No dia anterior mandei uma mensagem pra Milena dizendo que eu passaria por lá as oito, pra nós irmos juntos à festa no centro da cidade.
Minha mãe ficava me fazendo elogios sobre a roupa, me entupindo de perfume, arrumando meu cabelo (que finalmente já tinha cortado) e tirando fotografias aos montes. Disse que queria várias fotos minhas com a Mi, pois ela certamente estaria linda num vestido e mais um monte de besteira. Ela e a mania de elogiar a Milena. Acho que ela queria uma menina quando engravidou.

Minha mãe me deixou na casa da Mi e esperava para que ela descesse e entrasse no carro para poder paparicá-la. Seria o inferno. Fazia tempo que elas não se viam. Fazia tempo que eunão a via.

Quando toquei a campainha, a irmã dela que mora do Rio de Janeiro veio abrir o portão e disse pra eu entrar. Minha mãe, muito paciente e sorridente, assentiu com a cabeça.

-Que diabos você veio fazer aqui, Mirela? – perguntei rindo à irmã de Milena. Ela estava muito diferente da última vez que a vi. Mais morena na pele e nos cabelos, com o corpo mais bonito de olhar.

-Pois é, aproveitei as férias do trampo pra ver a irmãzinha, nossos pais pediram pra eu tentar falar com ela. Olha Du, não acho que ela vai à festa. Você está muito bonito, afinal.

Não respondi, apenas senti meu rosto queimar e abaixei a cabeça. Acho que nunca ouvi isso de alguém que não fosse da minha família.

Ela me conduziu para dentro da casa, onde deu permissão para que eu seguisse para o quarto da caçula.

A porta estava fechada e ouvi uma música do álbum que ela havia copiado para mim há um tempo que me pareceu uma eternidade. Candlebox.

Bati uma vez. Nada. Bati mais forte. O rosto de Milena apareceu na porta que ela entreabriu. Não sabia o que dizer e achei por um instante que ela não tinha movido um dedo para se arrumar para a festa.

Não tinha mesmo. Abriu a porta de um jeito suficiente para que eu entrasse, e fez um movimento com a mão permitindo minha invasão.

Fiquei absolutamente sem jeito, mas entrei. Ela estava com uma calça moletom preta e camiseta larga do Pearl Jam. Estava bem mais magra e o cabelo pareceu estar mais comprido e menos armado. Abaixou um pouco a música, que se repetiu mais umas duas vezes.

- Como você percebeu, eu não vou.

- Por que não me avisou?

-Só queria te ver e assegurar que seria vista.

Ai.

Ela parecia ser a mesma Milena. Seu jeito era o mesmo. Cantava a música balançando a cabeça de leve, sentada na cadeira com as pernas abertas e as mãos apoiadas no largo vão entre elas. Senti ali como se aqueles três meses não tivessem existido e me sentei em sua cama, olhando pra ela.

- Não sei por que pensei que você iria. Nunca se deu bem com a Achila, nunca se deu bem com festas...

Ela deu uma risada alta jogando o pescoço pra trás, concordando comigo.

- Pensei que você também não fosse, Eduardo.

- Não sei por que estou indo... – não tinha pensado nisso, mas é verdade. Não tinha motivo. – Acho que é por causa do mico do Nicolas. Ele vai homenagear a Paris Hilton.

-Mais um motivo pra eu não ir. – debochou Milena – E ela é a Hillary Duff, Du! – Du. Arrepiei de leve quando ela me chamou assim. Parecia mesmo que o tempo não tinha passado.

- Verdade, você a chama de Hillary Duff.

Desci para avisar minha mãe que ela podia ir embora. Menti que a Mi estava se arrumando ainda e que o pai do Nick nos levaria mais tarde. Ela relutou, mas concordou em ir embora sem ver Milena.

Naquele dia não fomos à festa, ficamos apenas conversando e rindo como se os três meses tivessem sido três dias. Até brincamos de guerra de travesseiro e comentei que meu quarto já estava muito pior do que nos outros anos. Com o Duka realmente mudei, nem tentei manter a organização de Mi até o meio do ano. Não tinha ninguém para pegar no meu pé. Ela prometeu ir durante as férias que se aproximavam para “por ordem no galinheiro”.

Era quase meia noite quando a irmã de Milena a disse que estava na hora. Mi me pediu licença e voltou poucos minutos depois, ofegante por causa da escada.

- Esses remédios são um saco, cada hora é uma merda: sono demais, sono de menos, tira fome, me dopa... – disse mais para si mesma.

Achei melhor não perguntar. Senti que ela não responderia também.

Minha mãe me ligou e percebi que não tinha mentira para contar porque não estava na festa naquele momento. E se ela tivesse ido me buscar?

-Ô Mi, vou indo. Acho melhor eu dizer que peguei carona com alguém, porque se minha mãe inventar de me buscar, já era.

-Tudo bem, então, Du. E... Obrigada. – e sorriu aquele sorriso meigo constrangido que ela só sorria para mim, e que percebi que senti muita falta de ver.

Antes de sair, Mi cantou a música que tocava quando cheguei, e fiquei com ela na cabeça até o dia seguinte. Olhei em volta do quarto dela antes que Mi apagasse a luz para descer e me acompanhar até o portão para se despedir e percebi que na prateleira onde ela deixava os vestígios de sua infância só havia sobrado uma única boneca, uma Barbie em vestido rosa brilhante.

Percebi pela primeira vez algo muito grande e inexplicável ao olhar para Mi antes de ir embora naquele dia. Enquanto garotos são só garotos, garotas são mulheres.

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